sábado, 9 de março de 2013

Do Educare ao Educere



Ao longo dos anos o processo educacional formal foi se transformando na maneira como a sociedade consegue garantir que seus filhos possam dar continuidade em toda a construção política, ideológica, cultural, religiosa, ora erigida em certo período e que se espera permanecer o máximo de tempo possível.

Nessa perspectiva a compreensão do que é educação ficou sempre vinculada à ideia de agogé, do grego conduzir, assim educar seria conduzir alguém de uma condição para outra, resultando daí o paidós + agogé, ou seja, pedagogia. A escola então representa o que historicamente se acreditou que era ou sempre foi o seu papel, a saber, formar, instruir, preparar, educar, ou como diziam os latinos educare, garantindo que aquele que nada sabia ao ser abarrotado de informações das mais variadas naturezas, estivesse assim saciado em sua “sede”, ainda que não soubesse que desejava “água”.

Essa realidade se nos encontra hoje como dantes com as mesmas condições e expectativas, tanto dos “centros” do saber como daqueles que querem conhecer. A visão continua sendo que o jovem que receberá dentro em breve os controles da sociedade ainda é alumnus, quer dizer a criança que precisa ser cuidada, alimentada, preparada, fortalecida, para só depois criar, fazer, eclodir.

Ante tal fato poderíamos nos questionar sobre a importância do desejo de saber, sobre a convicção de que só é possível conhecer quando efetivamente o pensamento empreende um movimento em direção àquilo que provoca, que estimula, que desperta, enfim que excita.

A palavra, portanto não seria educare, mas doutro modo educere, posto que o conhecimento é o corolário da evolução interna ao indivíduo que perpassa por um exercício de autoconhecimento, “Conhece-te a ti mesmo”[1], para que só então este possa sondar outras dimensões possíveis.

Se o maior dos filósofos atenienses estiver com a razão o compromisso da família, da escola e da sociedade enquanto fomentadoras educacionais, não seria de formar seus filhos, pois a forma limita, impedindo o acesso do ser a ele mesmo, mas sim de provoca-los, instiga-los à maneira socrática, dando vazão ao fluxo contínuo que precipita de todo aquele que se encontra consigo.

O foco da educação sempre foi, é, e caminha para continuar sendo um amoldar do homem ao mundo, confinando sua curiosidade e desejo no canto mais esquecido do seu eu, quando consagrar-se-ia se aos modos de Einstein vislumbrasse que, "A educação é o que resta depois de se ter esquecido tudo o que se aprendeu na escola."[2]

Queremos um mundo de adultos engenhosos e criadores e para tanto adestramos nossos meninos e meninas para serem repetidores, e quanto melhor repetirem mais adequado foi nosso trabalho.

Plantamos mandacaru e queremos colher rosa.


[1] Expressão inscrita no templo de Apolo em Delfos e utilizada por Sócrates para declarar a importância do reconhecimento da ignorância para a busca do conhecimento.
[2] Albert Einstein.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Educar, para quê?












Ao longo da história da humanidade percebemos um processo de formação das pessoas onde os mais velhos ensinam aos mais novos os seus costumes, os seus valores, as suas regras de convivência, enfim todos elementos necessários para que aquele que ora passa a integrar o grupo possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da sociedade em questão e em breve possa igualmente reproduzir nos seus descendentes os costumes, valores e regras do seu momento histórico. Esse processo pode ser compreendido como educação ao lembrarmos do sociólogo francês Émile Durkheim que afirmava que, "A educação tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança estados físicos e morais que são requeridos pela sociedade política no seu conjunto", e a partir do aprimoramento de tais estados esta criança adentra a maioridade com total plenitude de participação nas dimensões social, política, econômica e religiosa.

De fato inúmeras mudanças ocorridas nas relações humanas estão diretamente vinculadas aos processos educacionais que foram empreendidos em dados momentos históricos, evidenciando que a educação funciona como o agente garantidor do modus vivendi das sociedades. É certo também que vários podem ser os motivos provocadores das mudanças, indo dos clamores populares oriundos de uma revolução até a vontade pessoal e indômita de um governante desequilibrado. O ponto pacífico é que seja de uma forma ou de outra para que a sociedade possa intervir positiva ou negativamente na construção do caráter e da personalidade dos indivíduos terá que fazê-lo por meio da educação.

Assim temos a Paidéia grega, com os ensinamentos de lógica, história, política, retórica e filosofia, a educação indígena que buscava garantir o domínio das habilidades para viver adequadamente no ambiente, para manusear os instrumentos de caça, pesca e guerra, e a compreensão dos ritos e mitos religiosos, podemos citar ainda a educação medieval com o ensino das sete artes liberais e o seu objetivo precípuo fundado no aperfeiçoamento moral para a elevação do espírito, não esquecendo de preservar o controle da igreja sobre o pensamento da época.

Então, observando alguns momentos e aspectos da história, quer seja recente quer seja remota, identificamos minimamente um controle do quê, por quê e para quê educar, mesmo que tais propósitos não estivessem tão claros ou fossem obtidos de modo tão efetivo. Tornando-se significativo aqui a condição da sociedade de saber onde se quer chegar pois parafraseando Lewis Carroll em Alice no País da Maravilhas, “Quem pouco se preocupa aonde ir, pouco importa o caminho que vai seguir”.

Destarte levantamos algumas questões, a saber, Aonde pretendemos ir? A que lugar queremos chegar? Pois parece-me que só poderemos chegar ao entendimento de qual o papel da educação atual, ao passo que elegermos o nosso eldorado. A educação é o caminho que nos conduzirá suave ou tortuosamente ao objetivo que socialmente escolhemos para nós e nossos filhos.

Reavaliando então as indagações expostas entendemos que o correto a ser elucidado é, Em que mundo queremos viver? Conduzimo-nos a um estado de coisas onde o TER é mais importante e necessário que o SER, onde o consumo desvairado impede de perceber o que precisa se preservado, onde o prazer efêmero conta mais que a satisfação duradoura, onde uma curtida no Face ou uma twitada importa mais que um longo e terno abraço.

Nós adultos por ocasião estamos “educando” nossos meninos e meninas para estarem cada vez mais longe uns dos outros ainda que fisicamente estejam próximos, viciados e encantados com as maravilhas tecnológicas, iludidos pelo entretenimento e desiludidos com a materialidade da vida.

Se nós já não sabemos mais para onde vamos, é porque já esquecemos também quem somos.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Filosofia do EU

http://kdfrases.com/frase/156214

“Nenhuma época acumulou sobre o homem tão numerosos e diversos conhecimentos como a nossa [...] Nenhuma época conseguiu tornar esse saber tão pronta e facilmente acessível. Mas nenhuma época tampouco soube menos o que é o homem” (HEIDEGGER, 1997)



A marca da contemporaneidade inegavelmente é o desenvolvimento da ciência e de toda a tecnologia que advém desta, porquanto as mudanças ocorridas no “modus vivendi” do homem nos encanta e mantêm-nos motivados a continuar na busca pelo aprimoramento desse estilo de vida cada vez mais “high tech”.

Pensando assim poderíamos nos perguntar se nesse mundo cabe algum tipo de filosofia, posto que o espaço midiático e as atenções são consumidas pela ciência e pela tecnologia. Porém seria desastroso formular tal questão tendo em vista a filosofia emergir não de uma condição momentânea ou de determinado arranjo societário, mas da própria condição existencial do homem que diante daquilo que dele surgiu incomoda-se, constrange-se. Então o traço distintivo do mundo contemporâneo, a saber, a ciência e a tecnologia não impedem o fluir da filosofia, ao contrário faz entrever uma nova forma de entender, interpretar, decidir, enfim viver nesse atual momento histórico.

Como toda filosofia que vai a busca do alicerce, da matriz originária do pensamento do qual emerge, quer sejam estruturas sólidas ou castelos de areia, o pensamento que sustenta a ação hodierna do homem no mundo fundamentado na ciência e na tecnologia é um tipo de filosofia que de novo nada possui, pois foi inaugurada com Platão e ao longo da história do homem ganhou novas facetas com diversos pensadores, mas, retiradas suas vestes se apresenta, tanto hoje como dantes, como uma metafísica, a metafísica da subjetividade. Tal cenário possibilitaria àqueles que resistem ao refletir filosófico a condição de dizer que esse mundo seria então o mundo da não filosofia, porém estes perderam a capacidade de ver, pois como disse Merleau-Ponty, “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”.

Encontrado o fundamento tanto do pensamento quanto do que sustenta a ação do homem contemporâneo, quais as consequências que brotam do binômio pensar-fazer? A princípio encontramos na metafísica da subjetividade como em qualquer outro pensamento metafísico a definição de um ponto de apoio, qual seja, a própria subjetividade, que em outros termos nos remete ao sujeito. Então o sustentáculo da metafísica contemporânea é o sujeito, para o qual tudo quanto existe, existe para o sujeito, tudo quanto é, de qualquer maneira que seja, só é para o sujeito.

Ora, essa compreensão nos obriga firmemente a retomar a ideia que emana de toda a teoria do conhecimento, onde a presença do sujeito requer de modo imperativo a presença do objeto. Pensar aquele que conhece, exige aquilo que será conhecido, resultando enfim numa relação de conhecimento. Entrementes não é apenas isso, pois o sujeito não meramente conhece o objeto, no sentido teórico, mas, sobretudo de modo prático ele inventa, engendra, maneja, por fim manipula o objeto. Isto posto, avistamos um outro dilema, a saber, o homem, sujeito do conhecimento, que manipula o objeto do conhecimento, e como tudo que é conhecido ou se coloca como a ser conhecido por este sujeito transforma-se em objeto, por conseguinte manipulável, o próprio homem põe-se como um desses elementos a serem manipulados por ele mesmo.

Aqui encontramos um dos problemas da contemporaneidade, onde a manipulação imposta pelo homem a tudo quanto existe, inclusive a ele mesmo, torna o real em coisa, banalizando o existente, futilizando o objeto, criando a cultura da descartabilidade, verificada no consumo do desnecessário. Tal lógica transfere-se como consequência inevitável para o homem e suas relações. Destarte, após coisificarmos o mundo e por efeito o homem, o manipulamos segundo a nossa vontade. Usamos e descartamos quando não mais precisamos. É o que fazemos com nossos idosos que já não servem mais, é o que fazemos com o nosso funcionário que não é mais útil, é como dispomos dos nossos “amores de um dia” quando termina o carnaval ou qualquer outra festa que seja. O fato é que tanto os objetos quanto as pessoas são coisas descartáveis, já que a base do nosso pensamento sustenta que tudo é para o homem, podendo este desfrutar como, quando e onde quiser.

Outro problema que se anuncia é que se tudo é manipulável pelo homem como consequência do domínio da técnica e da ciência, ações que promovem todo tipo de destruição, sejam em massa ou não, podem ser justificadas como fruto da manipulação, ou uma extensão desta, permitida pelo controle do sujeito sobre o objeto.

Chegamos neste momento ao cinema de horror que vemos diariamente apresentado em nossas casas através de toda mídia, as demonstrações de barbárie que ultrapassam qualquer cenário de guerra declarada. A reflexão filosófica a qual somos convidados a fazer é que no fundamento da barbárie a que somos submetidos a conviver está a metafísica da subjetividade, está o sujeito manipulador, está o homem com toda a sua pseudo-onipotência, emanada da nossa capacidade de controle oriunda da tecnologia, da técnica, da ciência.

Parafraseando Heidegger, em nenhuma época o homem alcançou tamanho desenvolvimento, conseguiu caminhar a passos tão largos em busca do conhecimento, e o que auferiu nessa jornada foi o distanciamento de si mesmo. A Filosofia do Eu nada mais fez do que levar o homem para bem longe do SER do Homem.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Desfazendo mal entendidos


"Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo que todas as coisas visam.” Aristóteles. Ética a Nicômacos, Livro I.

  O mundo contemporâneo vive um momento que na melhor das hipóteses podemos chamar de inusitado, e digo isso não para falar de crises e conflitos anunciados por filósofos como Nietzsche e Adorno, dentre tantos outros que trataram de modo pormenorizado do tema, mas chamar a atenção da nossa pseudo responsabilidade quando apontamos erros e julgamos ações de outrem. Quero sim de forma descomplicada refletir sobre alguns conceitos que se misturaram ao longo do tempo frente à pequena vontade humana de se dar ao trabalho de separar o joio do trigo.

Vejo comumente as pessoas utilizarem as palavras ética e moral como sinônimas e apesar de não estarem equivocadas no seu todo, isto se fizermos referência à etimologia das mesmas, posto que tanto o “ethos” grego quanto o “mores” latino se referem à maneira de agir regido pelo costume, pelas tradições e pelos valores, ou seja, tratam do comportamento humano, a filosofia e os mais diversos pensadores se ocuparam em criar um distanciamento conceitual para reduzir a confusão outrora existente e ainda não findada.

Moral é então, a ação do homem no mundo que pode ser certa ou errada dependendo dos valores que a sociedade em questão aceitar e assumir como corretos, doutro modo Ética é o exercício intelectual de averiguação da compatibilidade entre os valores, o pensar-decidir e o agir. E aqui, e somente aqui é que se concentra todo o problema que fizeram e fazem pessoas simples e de pouca erudição ou intelectuais do mais elevado gabarito se encontrarem.

A reclamação que ouvimos das pessoas acerca da ética quando dizem: “Fulano não tem ética”, “Beltrano não agiu com ética”, “Onde está a sua ética Ciclano?” Demonstra uma exigência da presença daquilo que efetivamente não se sabe o que é, ou pior o uso de modo idiossincrático de um conceito, refletindo o quão nossa sociedade se perdeu enquanto olhava para si mesma.

Agora, retornando a Aristóteles, se o Bem é aquilo que todas as coisas visam, por conseguinte, não é possível que o Bem seja individualizado, pois se assim o fosse este poderia ao mesmo tempo ser e não-ser, ou seja, contrariaríamos o primeiro e mais importante conceito da lógica de todo e qualquer raciocínio, a saber, “o que é é”, quando colocássemo-nos frente a uma situação onde algo pudesse ser um bem para uns e não para outros.

Ressalto com isso que o Bem se constitui no exercício pleno e diuturno de todas as nossas capacidades na busca da perfeição, da superação constante, enfim, da virtude. Ser virtuoso nada mais é do que perseguir de modo incansável o Bem. Destarte, ser moralmente correto confunde-se com promover o Bem.

Dito isto podemos perguntar: É possível que alguém seja ético ou não ético? A resposta se impõe de maneira imperativa, NÃO. Não é possível ser ético ou não ser ético, pois esta enquanto reflexão sobre o comportamento constitui-se na análise pormenorizada da moral, isto é, na avaliação da ação do indivíduo na busca do Bem que é, ou pelo menos deveria ser, para todos e não para um ou alguns.

A partir deste momento identificamos não uma crise ética, como alguns papagaios de pirata propalam por aí, mas outra crise. O que entrou em crise no mundo contemporâneo foi o homem que perdeu suas referências, tropeçou em seus produtos, embebedou com a profusão de luzes, cores e sons do seu novo mundo. O “homem criador” foi dominado por suas criaturas.

De resto, só podemos fazer menção à ética, à moral, à virtude ou aos valores se estivermos voltados para o Bem, não para o meu bem, mas para o Bem da coletividade, assim encontraríamos o que o homem procura desde sempre e mesmo que ao seu lado todo o tempo não consegue ver, a Felicidade, que como diz Aristóteles é o supremo Bem.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Porque as rosas murcham


    Sentado um dia em frente a um jardim, num final de tarde, quando o sol e o horizonte se confundiam no firmamento, sentindo o cheiro das rosas, que de tão intenso tornava-se quase em gosto, gosto de bala doce que se chupa com a boca de criança, gosto do verde policromado da primavera, gosto suave do canto de qualquer passarinho que se ouve quando apaixonado, gosto do roçar na pele daquela que se esperou por toda uma vida, refletia. Diante de um vermelho sem igual a pensar no nada, na origem e natureza do ser, até que de súbito lembrei-me que naquele dia a muito tempo atrás nascera um homem simples, demasiadamente simples, que respondia a todas as perguntas com uma firmeza inabalável e principalmente enchia a todos do mesmo sentimento que aquele jardim estava a me fartar. Num exercício irresponsável e arbitrariamente atemporal, pus-me a pensar se Ele fosse novamente nascer e me concedesse, como um gênio de mil e uma noites, um pedido! O quê pediria? Assustado, tentei não mais pensar, mas já não era capaz de apaziguar meu espírito desejoso, a razão tornara-se refém da vontade.
    Percebendo o inevitável entreguei-me aos deleites da imaginação, folguei entrevendo na plenitude a certeza da felicidade, porém, por conseguinte, tamanha estranheza senti quando notei que todos os meus pedidos não levar-me-iam àquilo que esperava. Pensei em pedir para que a fome no mundo acabasse, mas então logo me veio à mente os repetidos recordes de produção e o número sem fim de pesquisas conduzindo a um aumento tanto de quantidade quanto de qualidade de alimentos, assim não seria justo de minha parte pedir algo nesta área, porque muito Ele já havia feito. Continuando, cogitei o fim das guerras e dos conflitos oriundos da oposição de idéias, igualmente fiquei envergonhado porque diferentemente de tudo o que tem vida, o bicho homem recebeu a maior das armas, o esclarecimento, a única arma possível para se atingir a paz, mais uma vez não senti legitimidade em meu pretenso pedido. Em frente, e agora já com certo receio, imaginei pedir para acabar com os sentimentos nocivos à humanidade, como o ódio, a inveja, a ira, qual nada, para isto nos foi dado à muito tempo um princípio simples e reto, a saber, “Amai ao próximo, como a ti mesmo”. Diante disto, o que mais poderia pedir que ainda não tivesse recebido, tudo o que passava pela minha mente eram dádivas por mim já gozadas, até que olhando novamente para o jardim percebi que uma rosa naquele mar viçoso e brilhante, já não mais integrava esse estado de existência, murcha, padecia, suava como que o último suspiro daquilo que já foi um dia inteiro, pleno e repleto de vida. Esta imagem fez-me acreditar que o único pedido plausível era o afastamento da morte, sombra que nos ronda e espreita como uma vingança de um pecado não cometido, que não espera, que separa pais e filhos, distancia amores, interrompe cursos vitais, este e somente este poderia ser um pedido bom e justo. Mais uma vez, para o meu desgosto, falhei. A morte não é uma punição, tampouco uma desgraça que assola a humanidade, essa só poderia ser a própria humanidade, a morte é o ponto de equilíbrio, o fim como princípio, que mesmo quando de modo trágico se nos apresenta, revela na senda de suas frinchas a condução à calmaria do espírito. O que tomamos por funesto e sinistro não é mais do que o fim da sensibilidade do ego. Mas ora, se não existe mais a individualidade ou a percepção do eu, o que nos restou senão o nada? O mais puro e indelével nada? Pasmo percebi que diferentemente do jugo filosófico existencial que opõe Ser e Nada, o que estava em frente aos meus olhos era a conjunção do Eterno com o efêmero, do Simples com o composto, do Ser com o ente, do homem com Deus. De novo enxerguei como aquele que não apenas olha, mas, sobretudo vê, que tudo o que eu poderia pleitear já possuía, encerrando em mim e em cada um dos meus pares um fragmento do perfeito, a razão suficiente para a felicidade. Volvendo a cabeça em direção ao jardim pela última vez vi mais que um mar vermelho, vi também por que as rosas murcham.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Traços do possível e do real em duas personagens da nossa educação


        Falar sobre aluno e professor ideais, parece–nos muito difícil visto que tais conceitos seriam tratados numa dimensão estritamente espiritual (idéias) quando não alcançamos ainda a dimensão do possível. Do mesmo modo citar características destas pessoas tolheria toda e qualquer possibilidade de avanço em detrimento da distância instaurada entre o real e o ideal. Assim limitamo–nos a falar do possível, do realizável, daquelas características que não necessitam de contexto para serem desenvolvidas, se é que as mesmas existem ou podem existir descontextualizadas.
        A estrutura montada do nosso sistema educacional condena a uma maioria absoluta dos nossos alunos a jogarem numa banca de cassino com cartas marcadas e crupiê desonesto. Alimentados pelas poucas vitórias, caem em verdadeiros devaneios acreditando que ser promovido de série é o seu grande objetivo e que uma boa nota é como pocker, uma questão de sorte.
       Então podemos dizer que o aluno que se recusa a jogar este jogo e que compromete–se consigo mesmo na intenção de desconsiderar notas, promoções e qualquer coisa que o valha, almejando doutro modo o seu crescimento intelectual, a sua formação enquanto pessoa e cidadão, deve ser tido como o aluno possível.
            De igual forma temos o professor mal remunerado, pessimamente capacitado, com mínimas condições de trabalho ou com remuneração razoável, diversos cursos de capacitação à sua disposição e colégios com excepcionais condições de trabalho, entrementes tanto uma quanto outra realidade não conseguem desenvolver no professor as qualidades que o caracterizariam como possível, pois à primeira falta o respeito à pessoa humana visto que a valorização do trabalho inexiste  e a segunda reflete o estereótipo ideologicamente criado sob edificações modelos, capacitações ilusórias e salários que por melhores que possam parecer não equiparam–se à força de trabalho empregada. Estas condições são conjecturais, entretanto inviabilizam o aperfeiçoamento dos professores para atingirem a zona do possível. Assim, professor possível seria aquele provocador de situações que pudessem proporcionar ao aluno momentos de reflexão e crítica à condição atual da sociedade.
        Agora podemos dizer apenas que professor e aluno possíveis são aqueles comprometidos com a educação, imersos neste processo de formação da sociedade futura, que não se contentam apenas em estarem mergulhados neste mar, mas que provocam redemoinhos e ondas mais fortes para mostrar a calmaria que nem todos foram submetidos, calados, imbecilizados, alienados.

O Homem e a Máquina


      Em nossos dias, surge uma tendência a qual identifica-se como o estágio de união entre o homem e a máquina. Inventariando a história da técnica a partir da Grécia Antiga podemos encontrar o conceito de téchné, que significava a arte de fazer, mostrando que a técnica acompanha o homem , particularmente o Ocidental, desde as suas origens. A própria idéia platônica de técnica, que o filósofo coloca como inferior ao pensar, sendo por este motivo que na sua república os artesãos, e aqui entende-se por artesão todo e qualquer homem que dedica-se ao labor manual, em uma classe inferior a dos filósofos, pensadores por excelência. Tal divisão legada pela filosofia platônica, instituiu a supremacia da teoria em detrimento da prática, não obstante maior valorização ao pensador do que ao artífice. Este período já traz a concepção, que irá perdurar por muito tempo, do Homem X Máquina, pois a máquina era o resultado do trabalho técnico, manual, logo de menor valor ao homem do que o conhecimento intelectual.
Permanecendo no fio condutor da história e fazendo as devidas ressalvas ao período Medieval, bem como a crescente utilização da técnica, sendo este um período de grandes inventos e descobertas a partir de todo um trabalho técnico, podemos dar um salto ao período da Revolução Industrial, em que a relação Homem X Máquina torna-se mais acirrada e chega ao seu ápice. Com o aperfeiçoamento das máquinas e a necessidade econômica de uma produção em maior escala e menor tempo, o homem viu-se trocado, provocando em alguns grupos uma imensa revolta contra a máquina, posto que julgou-se ser ela a culpada da modificação do sistema de produção e desencadeadora  da falta de trabalho, pois até então a demanda por mão de obra era imensamente maior. Frente a este estado de transformação econômica e de produção, Karl Marx analisa a situação ponderando que a substituição do homem pela máquina iria trazer maior conforto ao trabalhador, porque este teria sua carga horária reduzida e ainda assim produziria mais, fato também importante e necessário face ao aumento populacional da cidades. Contraditoriamente ao pensamento marxista, o que aconteceu foi uma alta exploração da força de trabalho de poucos indivíduos pelo detentor dos meios de produção. Percebendo o desfecho da história Marx reconsiderou seu pensamento, não condenando a máquina, mas doutro modo evidenciando a usurpação do homem sobre o homem em virtude do controle dos meios de produção e o refinamento do mecanismo exploratório. 
Com outro salto na história, somos levados às considerações heideggerianas a respeito de um estágio humano em que “a técnica não é um instrumento neutro nas mãos do homem, que pode usá-la para o bem ou para o mal, nem constitui um acontecimento acidental no Ocidente. (...) a realidade é que a técnica é o resultado natural do desenvolvimento pelo qual, esquecendo  o Ser,  o homem se deixou arrastar pelas coisas, tornando a realidade puro objeto a dominar e explorar. E esse comportamento, (...) trata-se de uma fé, a fé na técnica como domínio sobre tudo”. A angústia na descrição do filósofo retrata um homem que perdeu o interesse pelo Ser e fixou-se nos entes, quando dantes primava-se pelo encontro com o Ser, pelo seu desvelamento, agora, o homem inebriado pelo desenvolvimento científico, quis fazer da física a metafísica supondo que as coisas aprazer-lho-iam mais que a busca pela verdade ontológica. Destarte o plano ôntico tornou-se único. Neste exato momento a relação entre o homem e a máquina já não era mais de aversão, passando de Homem X Máquina para Homem E Máquina.
Entretanto o filósofo francês Paul Virilio contrapõe-se à Heidegger, dizendo que este não havia entendido o processo histórico ao qual põe-se a interpretar. O homem não foi assaltado pela máquina no seu eu-mesmo, perdendo sua autenticidade, que é o que Heidegger quer fazer entrever, mas sim, coloca Virilio, apresenta-se em estágio de fusão, numa complementaridade entre homem e máquina. A relação ora estabelecida é a de Homem-Máquina, numa nova construção do conceito de homem, daquilo que define o homem enquanto tal, se for isto possível.
A caminhada histórica pelo advento da técnica, e naturalmente da máquina, aporta em nossos dias com extremo furor, provocando em todos ou paixão ou repulsa, e a certeza de que o paradigma de ser humano construído pelo pensamento Ocidental está para além de abalado, insustentável diante da voracidade que a técnica se impõe face à fragilidade humana.
A linha traçada, remonta a idéia de inevitabilidade diante do progresso técnico, por conseguinte sem deixar escapar também a pretensa valorosidade da técnica para todos. Tal análise comum a muitos pensadores da atualidade, permeia os caminhos históricos a respeito da “técnica” e vislumbra uma provável estética pós-moderna advinda do novo conceito de homem, sem dar  a devida importância, prefiro pensar que intencionalmente, aos complicares sociais, econômicos, filosóficos, ontológicos, éticos que circundam esta re-elaboração  da pessoa humana.
Convém atentarmos, entrementes, que o mundo contemporâneo possui particularidades que o fazem algo bem mais complicado de se interpretar do que outras épocas guardadas na história. A suposta evolução humana que conduziu a este estágio técnico capaz de manter vivo um organismo através da manipulação genética de células infeccionadas é o mesmo que produz armas químico-biológicas capazes de dizimar milhões de pessoas em algumas horas; de produzir energia para servir dezenas de cidades a partir do beneficiamento do urânio ou valer-se da mesma técnica para criar bombas nucleares; de aperfeiçoar a utilização do laser em cirurgias reduzindo enormemente o risco à vida do paciente ao tempo que também utiliza este laser na construção de equipamentos bélicos para programas de defesa nacional, fictícios. Essas entre tantas outras situações em que a técnica mostra-se amável ou não à raça humana.
Em verdade o que queremos questionar não é o fato do desenvolvimento tecnológico, das descobertas científicas, do aperfeiçoamento das técnicas nas mais variadas áreas, não, a técnica é e continuará sendo um elemento do plano ôntico, uma coisa a serviço do homem, porém o que se faz necessário por ao crivo do esclarecimento filosófico é a proficiência conferida a esta técnica. Como de forma perspicaz observou Marx, a técnica está servindo para a manutenção com extrema sutileza da exploração do homem sobre o homem, ou em termos mais poéticos com Heidegger, dizendo que o homem parou de pré-ocupar-se com o Ser, ou em outras palavras com o Dasein, com o ser-lançado-no-mundo, consigo mesmo, para manter-se no plano das coisas, pré-ocupando-se com os entes. “ O senhor do ente não é mais senhor do Ser”.
A crítica que lançamos a esta tendência hodierna, é a mesma que tantos outros filósofos já fizeram no decorrer da história, de que precisamos observar a realidade humana a partir de pressupostos que tenham a vida humana e a sua integridade como o bem supremo. O frenesi pelo novo que de forma absurda acomete nossos contemporâneos, impede a necessária indignação frente aos rumos a que técnica é conduzida. Por seu turno, a máxima determinista, “assim foi e assim sempre será”, obriga-nos a engolir uma conjuntura de subserviência metafísica, escondendo as bases do caos social em que vivemos. Mais que exaltar e render glórias ao desenvolvimento de uma racionalidade capaz de promover avanços, cridos como progresso, trazidos pelos meios de comunicação de massa e por todos os outros veículos formadores de opinião, como importantes e necessários à vida humana, é dever nosso inda mais do filósofo, colocar-se a interrogar acerca dos porquês de tais acontecimentos. Os deleites com a boa nova, ficaram a cargo dos levianos, aos que pensam e perdem a tranqüilidade de espírito diante destas questões cabe promover o esclarecimento, o deslindamento de mais uma persona.