“Nenhuma época acumulou sobre o homem tão numerosos e
diversos conhecimentos como a nossa [...] Nenhuma época conseguiu tornar esse
saber tão pronta e facilmente acessível. Mas nenhuma época tampouco soube menos
o que é o homem” (HEIDEGGER, 1997)
A marca da contemporaneidade inegavelmente é o
desenvolvimento da ciência e de toda a tecnologia que advém desta, porquanto as
mudanças ocorridas no “modus vivendi” do
homem nos encanta e mantêm-nos motivados a continuar na busca pelo
aprimoramento desse estilo de vida cada vez mais “high tech”.
Pensando assim poderíamos nos perguntar se nesse
mundo cabe algum tipo de filosofia, posto que o espaço midiático e as atenções
são consumidas pela ciência e pela tecnologia. Porém seria desastroso formular
tal questão tendo em vista a filosofia emergir não de uma condição momentânea
ou de determinado arranjo societário, mas da própria condição existencial do
homem que diante daquilo que dele surgiu incomoda-se, constrange-se. Então o
traço distintivo do mundo contemporâneo, a saber, a ciência e a tecnologia não
impedem o fluir da filosofia, ao contrário faz entrever uma nova forma de
entender, interpretar, decidir, enfim viver nesse atual momento histórico.
Como toda filosofia que vai a busca do alicerce,
da matriz originária do pensamento do qual emerge, quer sejam estruturas
sólidas ou castelos de areia, o pensamento que sustenta a ação hodierna do
homem no mundo fundamentado na ciência e na tecnologia é um tipo de filosofia
que de novo nada possui, pois foi inaugurada com Platão e ao longo da história
do homem ganhou novas facetas com diversos pensadores, mas, retiradas suas
vestes se apresenta, tanto hoje como dantes, como uma metafísica, a metafísica
da subjetividade. Tal cenário possibilitaria àqueles que resistem ao refletir
filosófico a condição de dizer que esse mundo seria então o mundo da não
filosofia, porém estes perderam a capacidade de ver, pois como disse
Merleau-Ponty, “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”.
Encontrado o fundamento tanto do pensamento
quanto do que sustenta a ação do homem contemporâneo, quais as consequências
que brotam do binômio pensar-fazer? A princípio encontramos na metafísica da
subjetividade como em qualquer outro pensamento metafísico a definição de um
ponto de apoio, qual seja, a própria subjetividade, que em outros termos nos
remete ao sujeito. Então o sustentáculo da metafísica contemporânea é o
sujeito, para o qual tudo quanto existe, existe para o sujeito, tudo quanto é,
de qualquer maneira que seja, só é para o sujeito.
Ora, essa compreensão nos obriga firmemente a
retomar a ideia que emana de toda a teoria do conhecimento, onde a presença do
sujeito requer de modo imperativo a presença do objeto. Pensar aquele que
conhece, exige aquilo que será conhecido, resultando enfim numa relação de
conhecimento. Entrementes não é apenas isso, pois o sujeito não meramente
conhece o objeto, no sentido teórico, mas, sobretudo de modo prático ele
inventa, engendra, maneja, por fim manipula o objeto. Isto posto, avistamos um
outro dilema, a saber, o homem, sujeito do conhecimento, que manipula o objeto
do conhecimento, e como tudo que é conhecido ou se coloca como a ser conhecido
por este sujeito transforma-se em objeto, por conseguinte manipulável, o
próprio homem põe-se como um desses elementos a serem manipulados por ele
mesmo.
Aqui encontramos um dos problemas da contemporaneidade,
onde a manipulação imposta pelo homem a tudo quanto existe, inclusive a ele
mesmo, torna o real em coisa, banalizando o existente, futilizando o objeto,
criando a cultura da descartabilidade, verificada no consumo do desnecessário.
Tal lógica transfere-se como consequência inevitável para o homem e suas
relações. Destarte, após coisificarmos o mundo e por efeito o homem, o
manipulamos segundo a nossa vontade. Usamos e descartamos quando não mais
precisamos. É o que fazemos com nossos idosos que já não servem mais, é o que
fazemos com o nosso funcionário que não é mais útil, é como dispomos dos nossos
“amores de um dia” quando termina o carnaval ou qualquer outra festa que seja.
O fato é que tanto os objetos quanto as pessoas são coisas descartáveis, já que
a base do nosso pensamento sustenta que tudo é para o homem, podendo este desfrutar
como, quando e onde quiser.
Outro problema que se anuncia é que se tudo é
manipulável pelo homem como consequência do domínio da técnica e da ciência,
ações que promovem todo tipo de destruição, sejam em massa ou não, podem ser
justificadas como fruto da manipulação, ou uma extensão desta, permitida pelo
controle do sujeito sobre o objeto.
Chegamos neste momento ao cinema de horror que
vemos diariamente apresentado em nossas casas através de toda mídia, as
demonstrações de barbárie que ultrapassam qualquer cenário de guerra declarada.
A reflexão filosófica a qual somos convidados a fazer é que no fundamento da
barbárie a que somos submetidos a conviver está a metafísica da subjetividade,
está o sujeito manipulador, está o homem com toda a sua pseudo-onipotência,
emanada da nossa capacidade de controle oriunda da tecnologia, da técnica, da
ciência.
Parafraseando Heidegger, em nenhuma época o homem
alcançou tamanho desenvolvimento, conseguiu caminhar a passos tão largos em
busca do conhecimento, e o que auferiu nessa jornada foi o distanciamento de si
mesmo. A Filosofia do Eu nada mais fez do que levar o homem para bem longe do
SER do Homem.
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