Sentado um dia em frente a um
jardim, num final de tarde, quando o sol e o horizonte se confundiam no firmamento,
sentindo o cheiro das rosas, que de tão intenso tornava-se quase em gosto,
gosto de bala doce que se chupa com a boca de criança, gosto do verde
policromado da primavera, gosto suave do canto de qualquer passarinho que se
ouve quando apaixonado, gosto do roçar na pele daquela que se esperou por toda
uma vida, refletia. Diante de um vermelho sem igual a pensar no nada, na origem
e natureza do ser, até que de súbito lembrei-me que naquele dia a muito tempo
atrás nascera um homem simples, demasiadamente simples, que respondia a todas
as perguntas com uma firmeza inabalável e principalmente enchia a todos do
mesmo sentimento que aquele jardim estava a me fartar. Num exercício
irresponsável e arbitrariamente atemporal, pus-me a pensar se Ele fosse
novamente nascer e me concedesse, como um gênio de mil e uma noites, um pedido!
O quê pediria? Assustado, tentei não mais pensar, mas já não era capaz de
apaziguar meu espírito desejoso, a razão tornara-se refém da vontade.
Percebendo o inevitável
entreguei-me aos deleites da imaginação, folguei entrevendo na plenitude a
certeza da felicidade, porém, por conseguinte, tamanha estranheza senti quando notei
que todos os meus pedidos não levar-me-iam àquilo que esperava. Pensei em pedir
para que a fome no mundo acabasse, mas então logo me veio à mente os repetidos
recordes de produção e o número sem fim de pesquisas conduzindo a um aumento tanto
de quantidade quanto de qualidade de alimentos, assim não seria justo de minha
parte pedir algo nesta área, porque muito Ele já havia feito. Continuando,
cogitei o fim das guerras e dos conflitos oriundos da oposição de idéias,
igualmente fiquei envergonhado porque diferentemente de tudo o que tem vida, o
bicho homem recebeu a maior das armas, o esclarecimento, a única arma possível
para se atingir a paz, mais uma vez não senti legitimidade em meu pretenso
pedido. Em frente, e agora já com certo receio, imaginei pedir para acabar com
os sentimentos nocivos à humanidade, como o ódio, a inveja, a ira, qual nada,
para isto nos foi dado à muito tempo um princípio simples e reto, a saber,
“Amai ao próximo, como a ti mesmo”. Diante disto, o que mais poderia pedir que
ainda não tivesse recebido, tudo o que passava pela minha mente eram dádivas
por mim já gozadas, até que olhando novamente para o jardim percebi que uma
rosa naquele mar viçoso e brilhante, já não mais integrava esse estado de
existência, murcha, padecia, suava como que o último suspiro daquilo que já foi
um dia inteiro, pleno e repleto de vida. Esta imagem fez-me acreditar que o
único pedido plausível era o afastamento da morte, sombra que nos ronda e
espreita como uma vingança de um pecado não cometido, que não espera, que
separa pais e filhos, distancia amores, interrompe cursos vitais, este e
somente este poderia ser um pedido bom e justo. Mais uma vez, para o meu
desgosto, falhei. A morte não é uma punição, tampouco uma desgraça que assola a
humanidade, essa só poderia ser a própria humanidade, a morte é o ponto de
equilíbrio, o fim como princípio, que mesmo quando de modo trágico se nos
apresenta, revela na senda de suas frinchas a condução à calmaria do espírito.
O que tomamos por funesto e sinistro não é mais do que o fim da sensibilidade
do ego. Mas ora, se não existe mais a individualidade ou a percepção do eu, o
que nos restou senão o nada? O mais puro e indelével nada? Pasmo percebi que
diferentemente do jugo filosófico existencial que opõe Ser e Nada, o que estava
em frente aos meus olhos era a conjunção do Eterno com o efêmero, do Simples
com o composto, do Ser com o ente, do homem com Deus. De novo enxerguei como
aquele que não apenas olha, mas, sobretudo vê, que tudo o que eu poderia pleitear
já possuía, encerrando em mim e em cada um dos meus pares um fragmento do
perfeito, a razão suficiente para a felicidade. Volvendo a cabeça em direção ao
jardim pela última vez vi mais que um mar vermelho, vi também por que as rosas
murcham.
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